quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A fome e a sede de nossas almas

No fundo do vale, encoberto pela vegetação, corre um regato cristalino.
Lá, com as mãos unidas em concha eu retiro da terra o líquido precioso da vida, levo-o aos meus lábios e sacio a minha sede.
Nas planícies verdes, até onde a vista alcança, eu uno minhas mãos e abraço a espiga dourada. Dela retiro os grãos necessários, levo-os à minha mesa e sacio minha fome.
Ao final de cada dia, após cumprimentar cada membro de minha família, nós unimos nossas mãos e agradecemos por todas as dádivas, por todas as bênçãos recebidas do Pai.
Ainda assim, nessa união familiar, ainda mais dádivas e bênçãos recebemos. E com ela saciamos a fome e a sede de nossas almas.

São Paulo, dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Reencontro

Tomei em minhas mãos pela última vez as mãos que tantas vezes beijei buscando reter nelas algum sopro de vida. Mas o gesto foi inútil.
Aos olhos da ciência médica o objeto de meu mais puro amor era apenas um corpo frio e sem vida.
Nas palavras do poeta, o seu destino fora selado pelo beijo da morte.
Nas palavras do sacerdote, sua alma repousaria eternamente no paraíso.
Mas poderia aquela que tanto amei repousar cândidamente no paraíso enquanto sou lançado às tormentas do desespero e às tempestades de sofrimento?
Ferrado aos meus pulsos, arrastava as pesadas correntes da angústia e da desesperança que ficavam ainda mais pesadas a cada dia. E, às portas do desequilíbrio mental, julguei que apenas me livraria delas se cortasse a golpes de lâmina os pulsos que elas aprisionavam.
Salvou-me em instante último a lufada de esperança da divina boa nova (1), a fé em que o corpo que amei já não mais existia, mas seu espírito ainda vivia e aguardava a hora justa para reencontrar-me.

São Paulo, novembro de 2010
(1) refere-se à doutrina dos Espíritos