domingo, 25 de abril de 2010

Fé iluminada

A fé, sempre abençoada,
por vezes não encontra guarida
em nossa alma angustiada.
E nossa vida se torna um fardo,
um entrave, de tão pesada.

A fé é a lamparina
que ilumina a estrada.
É a sandália
que suaviza a caminhada.
É o cajado,
que no momento derraradeiro
e íngreme,
nos auxilia na escalada.

Assim, não seja tua fé
pela dor, suplantada.
Pelo fanatismo, desequilibrada.
Por dogmas, atormentada.

Seja antes tua fé,
pelo amor, raciocinada.

São Paulo, abril de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Meu lar nas Dakotas

Meus pais me ensinaram observar e interpretar os sinais na natureza, antevendo problemas e dificuldades futuras. Quando as abelhas, por exemplo, produzem e estocam mais mel no outono é um indicativo de que um inverno mais longo e rigoroso se avizinha.
Dessa forma, preparam-me para detectar e precaver-me contra todas adversidades que pudesse enfrentar em vida. Mas não me prepararam para as provas e sofrimentos que haveria de enfrentar depois de minha morte.
Após minha hora final, minha completa separação do mundo que conhecia e dominava, caminhei entre sombras e cavernas, entre pântanos e vales de sofrimento. Testemunhei lamentos e gemidos, compartilhei a dor do abandono e da solidão com pessoas que jamais suspeitei existirem.
Gastava boa parte de meu tempo tentando voltar aos prados e aos campos das Dakotas, onde cresci e vivi, sem contudo lograr êxito. E por mais que me esforçasse nesse intento, sempre fracassava pois, simplesmente não os encontrava.
Onde antes haviam planícies verdejantes até o horizonte, máquinas aravam e semeavam a terra. Onde haviam flores e bosques, só encontrava infinitas plantações de milho. Casas ladeavam os rios onde outrora eu me refugiava em busca de paz e sossego. Estradas cortavam as montanhas trazendo aos locais, antes sagrados ao nosso povo, o ruído dos veículos e pessoas apressadas e esimesmadas em suas preocupações.
Em uma tarde de outono, quando eu caminhava junto às nascentes dos rios que desaguam no grande lago, eu reconheci uma silhueta no horizonte. Não pensei, nem por um minuto, que pudesse ser uma miração. Agarrei-me a perspectiva de reencontrar aquele velho homem, e corri na direção daquela imagem escura que se desenhava contra o poente.
Não pude dizer palavra, apenas abracei aquele velho amigo e lágrimas correram de meus olhos e molharam seus ombros. Recompus-me e observei que as feições dele, ainda que marcadas pelo tempo, estavam mais suaves e serenas. Eu tinha tanto a dizer, tanto a perguntar, tanto a lamentar, tanto a indagar, tanto a dividir e compartilhar. E eu o fiz.
Sentamo-nos junto ao fogo e lá conversamos até a noite alta nos cobrir com seu manto de estrelas. Sentia-me à vontade junto àquele homem que, com palavras suaves respondia a todas minhas perguntas. E as palavras de sua boca saíam ainda com mais sabedoria e convicção que antes, quando muitos da aldeia sentavam-se junto dele para ouvir e aprender as estórias de nossos antepassados.
Ouvindo aquela voz e desfrutando daquelas palavras, a saudade apenas aumentava. Toda a dor e o sofrimento do afastamento represadas em meu peito se faziam ouvir em um lamento. Eu deitei minha cabeça no colo daquele homem e chorei compulsivamente.
Ele pareceu não se perturbar com tudo aquilo. Repousou uma de suas mãos sobre minha cabeça e cantou uma antiga cantiga. A melodia de sua voz acalmou meu coração e apaziguou minha mágoa.
Então ele ergueu minha cabeça até que meus olhos pudessem encontrar os seus e disse calmamente: -"O mundo que você amou, o mundo que eu amei, não existe mais aqui. Nosso mundo aqui pertence ao passado. Mas esse mundo ainda existe em outro lugar, onde nosso povo se reúne, trabalha e vive de acordo com nossas tradições. Sei que você tem desejo de retornar ao seio de nosso mundo. Sei que você anseia reencontrar a paz que perdeu. Então, não quer você me acompanhar e reencontrar aqueles que ainda te amam?"
Tamanha emoção tomou conta de mim que não pude responder. Minha voz embargada não se fazia ouvir. Uma lágrima solitária rolou de meus olhos e um sorriso estampou-se em meus lábios. Era hora, finalmente, de voltar para casa.

São Paulo, abril de 2010

domingo, 18 de abril de 2010

O Livro dos Espíritos

Alguns gestos e atitudes sempre me pareceram normais e cotidianos: Dividir a terra e seus frutos com meus companheiros, repartir a caça com meus irmãos, amparar e auxiliar os idosos e os enfermos e responsabilizar-me pela educação dos jovens, mesmo daqueles que não são meus filhos.
Somente após o desenlace de meu corpo pude então perceber que tudo isso pertencia a algo bem maior.
Assim, tão logo a reconheça, abrace com carinho a doutrina (1) que balsamiza o coração, agasalhe em teu seio os ensinamentos que nos educam para a vida. Tome do livro das respostas para vida (2) , abra-o, leia-o, e uma nova vida se abrirá para vós.

São Paulo, abril de 2004

(1) O Espiritismo, codificado por Allan Kardec.
(2) O Livro dos Espíritos, primeira obra da codificação espírita, redigido no formato de perguntas e respostas e editado pela primeira vez em abril de 1857 por Allan Kardec.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Estrada de ferro

Na estrada de ferro, o aço de cada trilho permanece paralelo um ao outro sem jamais se encontrarem.
Porém, unidos estão por dormentes de madeira que os mantém na exata equidistância necessária para o transporte seguro.
Os trilhos são como irmãos.
São como nossos irmãos.
Diferente do que ocorre com nossos pais ou nossos antepassados, um trilho não está acima do outro na hierarquia social. Eles estão lado a lado. E apenas encontram segurança um no outro.
Diferente do que ocorre com nossos filhos ou nossos descendentes, um trilho não está abaixo do outro na hierarquia social. Eles estão sempre lado a lado, amparando, sustentando e auxiliando um ao outro. Seguindo até onde a vista alcança, através da imensidão do tempo. Seguindo para todo o sempre rumo a evolução.

São Paulo, abril de 2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

Siga você também !

Lanço os olhos para o regato próximo e acompanho, curioso, seu fluxo cristalino.
Não importam o tamanho, o formato, a posição ou a constituição dos rochedos, a água sempre encontra meio de seguir seu caminho.
Mais além, em um bosque, a mata se faz fechada. Mas não importam a espessura dos galhos ou a quantidade de folhas, o vento sempre encontra maneira de atravessá-la.
A natureza segue, inabalável, seu curso.
Siga pois, você também !
Não se detenha frente aos problemas, não estacione ante aos revezes, não fique imóvel junto aos dissabores, não se perturbe ao tomar ciência dos problemas e dificuldades.
Permita que o fluxo da natureza o auxilie.
Deixe que as luminosas mãos dos dedicados irmãos que velam por ti guiem teus passos.
Jamais duvide do amparo e do auxílio divino.
Confia e segue !

São Paulo, abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

A pena da águia

Quando julguei-me suficientemente preparado, saí em busca de Deus.
Subi ao mais alto cume, onde a neve nunca derrete, mas lá ouvi apenas o vento.
Desci, então, aos mais profundos desfiladeiros, onde o calor sufoca toda forma de vida, mas lá apenas ouvi o uivo dos coiotes.
Infelizmente, não nos é dada permissão para conhecermos a natureza de Deus.
O espírito de Deus é como a pena de uma águia a qual tomamos em nossas mãos e apreciamos a beleza de suas formas, de suas cores, sua harmonia e sua perfeição, mas não compreendemos como pode algo de aparência tão frágil erguer aos céus pássaro tão pesado.
Assim, seja na água que propicia a vida, no fogo que ilumina a noite, na terra que acolhe a semente, saibamos divisar e reconhecer a pena de águia, sinal incontestável da presença de Deus em toda sua criação.

São Paulo, abril de 2010