Dessa forma, preparam-me para detectar e precaver-me contra todas adversidades que pudesse enfrentar em vida. Mas não me prepararam para as provas e sofrimentos que haveria de enfrentar depois de minha morte.
Após minha hora final, minha completa separação do mundo que conhecia e dominava, caminhei entre sombras e cavernas, entre pântanos e vales de sofrimento. Testemunhei lamentos e gemidos, compartilhei a dor do abandono e da solidão com pessoas que jamais suspeitei existirem.
Gastava boa parte de meu tempo tentando voltar aos prados e aos campos das Dakotas, onde cresci e vivi, sem contudo lograr êxito. E por mais que me esforçasse nesse intento, sempre fracassava pois, simplesmente não os encontrava.
Onde antes haviam planícies verdejantes até o horizonte, máquinas aravam e semeavam a terra. Onde haviam flores e bosques, só encontrava infinitas plantações de milho. Casas ladeavam os rios onde outrora eu me refugiava em busca de paz e sossego. Estradas cortavam as montanhas trazendo aos locais, antes sagrados ao nosso povo, o ruído dos veículos e pessoas apressadas e esimesmadas em suas preocupações.
Em uma tarde de outono, quando eu caminhava junto às nascentes dos rios que desaguam no grande lago, eu reconheci uma silhueta no horizonte. Não pensei, nem por um minuto, que pudesse ser uma miração. Agarrei-me a perspectiva de reencontrar aquele velho homem, e corri na direção daquela imagem escura que se desenhava contra o poente.
Não pude dizer palavra, apenas abracei aquele velho amigo e lágrimas correram de meus olhos e molharam seus ombros. Recompus-me e observei que as feições dele, ainda que marcadas pelo tempo, estavam mais suaves e serenas. Eu tinha tanto a dizer, tanto a perguntar, tanto a lamentar, tanto a indagar, tanto a dividir e compartilhar. E eu o fiz.
Sentamo-nos junto ao fogo e lá conversamos até a noite alta nos cobrir com seu manto de estrelas. Sentia-me à vontade junto àquele homem que, com palavras suaves respondia a todas minhas perguntas. E as palavras de sua boca saíam ainda com mais sabedoria e convicção que antes, quando muitos da aldeia sentavam-se junto dele para ouvir e aprender as estórias de nossos antepassados.
Ouvindo aquela voz e desfrutando daquelas palavras, a saudade apenas aumentava. Toda a dor e o sofrimento do afastamento represadas em meu peito se faziam ouvir em um lamento. Eu deitei minha cabeça no colo daquele homem e chorei compulsivamente.
Ele pareceu não se perturbar com tudo aquilo. Repousou uma de suas mãos sobre minha cabeça e cantou uma antiga cantiga. A melodia de sua voz acalmou meu coração e apaziguou minha mágoa.
Então ele ergueu minha cabeça até que meus olhos pudessem encontrar os seus e disse calmamente: -"O mundo que você amou, o mundo que eu amei, não existe mais aqui. Nosso mundo aqui pertence ao passado. Mas esse mundo ainda existe em outro lugar, onde nosso povo se reúne, trabalha e vive de acordo com nossas tradições. Sei que você tem desejo de retornar ao seio de nosso mundo. Sei que você anseia reencontrar a paz que perdeu. Então, não quer você me acompanhar e reencontrar aqueles que ainda te amam?"
Tamanha emoção tomou conta de mim que não pude responder. Minha voz embargada não se fazia ouvir. Uma lágrima solitária rolou de meus olhos e um sorriso estampou-se em meus lábios. Era hora, finalmente, de voltar para casa.
São Paulo, abril de 2010
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