A cidade de Bastos, próxima de Marília, no interior do estado de São Paulo, recebeu um grande volume de imigrantes japoneses no começo do século XX. Mas em Bastos não há somente japoneses e seus descendentes. Um desses casos é Antenor, neto de espanhóis corajosos e determinados que desbravaram muitas terras por lá. Antenor não fugiu às tradições da família e muito trabalhou para a prosperidade de suas terras.
Hoje porém, aos 75 anos, sente o peso dos anos.
Os sintomas da diabetes, da gota, da pressão alta, da angina, da falta de ar e da artrose são algumas das dolorosas sensações que o acompanham nos últimos 15 anos, desde que declarou-se aposentado, entregou a seus filhos e netos a administração de suas terras e refugiou-se em um pequeno sítio, próximo a uma estrada de terra.
Da varanda de sua casa, sentado em uma cadeira de balanço em vime, Antenor observa a estrada e os campos ao redor. Diariamente vê passar na estrada, em sua bicicleta vermelha, a figura inconfundível do Sr. Watanabe. Com mais de oitenta anos, ao contrário de Antenor, o Sr. Watanabe esbanja saúde. Ele pesca e nada no rio, cria galinhas e vende os ovos que elas põem, planta orquídeas e cerejeiras, cuida de bonsais, possui um tanque de carpas e ainda reserva um tempo para ensinar japonês e caligrafia japonesa a um grupo de jovens.
Evidentemente, o motivo de toda essa vitalidade despertava grande curiosidade em Antenor. Determinado a desvendar o "mistério da fonte da juventude", Antenor convidou o vizinho para um cafezinho na sua casa. Em meio aos muitos assuntos que conversaram e, com muito tato, Antenor conseguiu que o Sr. Watanabe confessasse que um médico chamado Takeshi havia se instalado na cidade.
"Descobri" - exultou Antenor. "Agora eu sei o segredo dessa vitalidade !"
Assim, tão logo quanto possível, Antenor agendou uma consulta com o tal médico.
No início a consulta transcorreu normalmente, mas logo Antenor ficou profundamente desapontado. É que ao invés de drogas miraculosas o jovem médico receitou apenas uma dieta para controlar a gota, a diabetes e a pressão alta. E para afastar a dor da artrose, nada de tratamentos radicais ou inovadores, apenas analgésicos.
- "Meu Deus" - indagou-se Antenor - "em que faculdade se formou esse médico ?"
Ele correu os olhos pelas paredes até encontrar o diploma de graduação em um quadro na parede. Nele se lia: "Takeshi Watanabe".
"Ah" - refletiu Antenor - "agora tudo faz sentido". "Para os estranhos dietas e analgésicos, mas para os familiares a fonte de juventude".
Antenor precisava dar um jeito para convencer o médico a lhe fornecer os medicamentos secretos que ele prescrevia para seus parentes.
Então perguntou: - "O Watanabe que ensina japonês é seu parente?"
- "Sim," - respondeu o médico - "ele é meu tio. O senhor o conhece ?"
- "Mas claro, somos grandes amigos" - mentiu Antenor - "Aliás, foi ele que me indicou para vir aqui, consultar-me com o senhor".
- "Ah, entendo" - meneou o doutor - "mas meu tio nunca se consultou comigo".
- "Nunca se consultou aqui? Como assim ?" - estranhou Antenor, com a voz alterada.
- "Pois é," - concluiu o médico - "meu tio nunca fica doente". "Ele diz que não tem tempo para isso".
São Paulo, abril de 2008