quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O médico

Do caixão de cedro envernizado e ricamente talhado nada sobrou. Os pregos, oxidados pela chuva, se transformaram em pó. Nem as pedras da sepultura fria resistiram ao ataque do tempo.
O corpo, meu corpo, que frequentava os salões, os restaurantes, as recepções, os consultórios e o hospital, transformado foi em repasto de diminutas criaturas.
Ninguém muda de uma casa simplesmente saindo pela porta principal e fechando-a atrás de si. Ninguém troca suas vestes atirando as peças antes usadas pela janela. Mas na morte é assim. Entre um tique e um taque do relógio do tempo a vida se esvai, feito água que escorre entre os nossos dedos.

Deixei para trás tudo que possuía. A farta bagagem por anos aquinhoada.
De que valeram os anos de estudo e dedicação à prática médica? De que serviram todo o conhecimento custosamente adquirido?
Eram tantas as dúvidas e os temores que na hora última me abraçavam. Eram tantos prantos e soluços que me envolviam que não conseguia abrir meus os olhos. As forças de meu corpo se esvaíam e, tampouco minhas pálpebras obedeciam.
Recordava-me de meu pai, Inácio e de minha mãe, Justina. Teriam eles em seus momentos derradeiros enfrentado a mesma sina?

Não sei quanto tempo permaneci imóvel, deixando-me embalar por estes sentimentos.
Nem o tempo parecia ser o mesmo.
Ah, se eu pudesse enfrentar os ponteiros e fazer o tempo retroceder!
Minha alma transpassada de remorso. Quantos mais poderia ter a vida salvo? Quantos mais poderia ter distanciado desse caminho que ora percorro?
Meus pensamentos eram tão vívidos e claros que não poderia supor-me morto. Ah, se meus olhos pudesse eu abrir, haveria de reconhecer minha real condição!

Não foi com pequena surpresa que senti um calor em meu ombro esquerdo. Aos poucos divisava uma mão que nele pousava. Era tão quente, suave e reconfortadora. Era tão leve e sublime o seu tocar.
Esse calor envolveu meu peito e aqueceu o ar que pelos meus pulmões adentrava.
Feito vida nova, senti um hálito me invadir. De súbito, meus olhos, enfim, puderam se abrir!
Ao meu lado estava, como ao meu lado sempre esteve, a figura de meu pai Inácio, agora, mais que nunca, meu professor e guia nesta nova existência.
São Paulo, agosto de 2007

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