terça-feira, 29 de setembro de 2009

Dona Isaura

Em 1939, quando tinha apenas 10 anos de idade, Isaura, que ainda pouco conhecia do mundo ao seu redor, foi enviada ao curso de catecismo da paróquia local. Lá aprendeu sobre Deus, Jesus e os apóstolos. Aprendeu que o Deus da nova aliança é um Deus de amor, de justiça, de perdão, e que jamais abandona seus filhos, assim como se espera de qualquer pai amoroso. Aprendeu, também, que Jesus nos foi enviado por Deus para nos salvar, nos redimir de nossos pecados, nos mostrar o caminho a seguir.
Tudo isso enchia os olhos de Isaura de lágrimas e de esperança.
Eram tempos difíceis. Havia pouco o que comer e menos ainda meios de obter trabalho e dinheiro. Todos falavam da terrível guerra, do racionamento e do futuro sombrio, o que assustava a jovem Isaura.
Mas esse sentimento de angústia se dissipou por completo quando Isaura tomou conhecimento do evangelho de João. Lá, no capítulo 14, versículo 18, estava bem claro o que ela queria ouvir e o que esperava que Jesus dissesse: "Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós".
Levando a termo essas palavras, no dia seguinte a jovem Isaura colocou uma cadeira na calçada em frente a sua casa e lá ficou durante toda a manhã, esperando a volta de Jesus.
Os dias se passavam mas sua fé era inquebrantável. Durante a espera aprendeu a fazer tricô, crochê, bordados e, com a venda das peças que produzia, auxiliava nos gastos da casa.
Tendo na mente a certeza que Jesus voltaria e chegaria pela manhã, já que muito tinha a ser feito no mundo naquele dia, ela dedicava o período da tarde aos afazeres domésticos.
Isaura se casou, teve filhos, netos e, sessenta anos depois ainda esperava o retorno do Messias. Era um compromisso de Jesus !
Não sabia quando isso aconteceria, mas a máxima popular lhe dava uma pista: "A mil chegará, mas de dois mil não passará". Então, a poucos meses do ano 2000, o retorno de Jesus deveria estar próximo.
O mês de dezembro do ano 2000 foi particularmente quente, mas Dona Isaura estava radiante, dentro de alguns dias Jesus voltaria e ela poderia avistar a sua majestosa figura no final da rua.
Porém, passou o Natal, passou o Reveillon, o verão se findou, e nada de diferente ela observou na rua.
Pensando ser um problema do calendário, ela ainda esperou Jesus todas as manhãs, sentada na cadeira, por mais um ano.
Então, um dia os transeuntes viram um fato inusitado: após 62 anos ininterruptos Dona Isaura não estava mais sentada em sua cadeira.
O assunto rapidamente tomou as ruas do bairro. Teria Dona Isaura perdido a fé??
Jornalistas, equipes de TV e fotógrafos disputavam espaço com centenas de curiosos que se acotovelavam na frente da casa de Dona Isaura. Mas apenas o pároco teve permissão de lá entrar.
Dona Isaura estava inconformada, recusava-se a sair do quarto e mantinha os olhos fixos na imagem de Jesus em um quadro na parede. Ao seu lado, o pároco tomava suas mãos e lhe confessava que a sua fé e determinação serviam de exemplo e de motivação para milhares de pessoas. Ao verem aquela senhora em sua cadeira a espera de Jesus, os corações dos desenganados, dos doentes, dos oprimidos se enchiam de esperança e de coragem.
Mas Dona Isaura não ouvia essas palavras. Absorta estava na imagem do quadro.
Foi quando então percebeu que os cabelos da imagem de Jesus balançaram suavemente.
Uma suave e perfumada brisa bafejou o seu rosto cansado e vincado pelas longas horas sob o sol. Os olhos do Cristo na imagem faiscaram e de sua boca algumas palavras escaparam.
O corpo de Dona Isaura tremeu e, como acordada de um sonho, ela voltou-se ao pároco e, apontando para o quadro, disse: - "Ele me falou que já voltou e que está entre nós. Rápido, vamos lá fora !" - e confessou : "Padre, acho que preciso de óculos novos !"

São Paulo, abril de 2008

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